sexta-feira, 24 de abril de 2009

Profissões, trabalho e estrangeirismos.

Já desde há algum tempo que há uma questão que me inquieta. Tem a ver com as profissões das pessoas. Antigamente, toda a gente queria ser bombeiro, polícia, professor, advogado, médico, jogador de futebol, enfermeiro, cabeleireiro ou até astronauta.
Eu queria ser professora. E sou. O meu trabalho é muito estimulante, desafiante mesmo! Mas muito, muito giro. É uma profissão de vocação e de muita paciência. Adoro o que faço (quase todos os dias). Chateio-me muito mas também rio muito e, com isto tudo, não perco lá muito tempo a ser adulta, séria nem carrancuda.
Quando uma pessoa está aborrecida com a vida, chega à sala de aula e tem 28 carinhas sorridentes a dizer "bom dia professora". Outras vezes também dizem "professora hoje não trouxe o livro" ou então "levámos trabalho de casa mas eu não fiz". Também acontece por vezes "eu fiz o trabalho de casa mas o meu irmãozinho deitou-o pela sanita". Ainda ouço coisas como "o João e o Filipe andaram à bulha no intervalo e partiram um vidro". Acreditem, acaba com o aborrecimento de qualquer um. Não posso queixar-me de monotonia.

No entanto, recentemente, apercebi-me que a minha profissão, bem como todas as profissões tradicionais, está fora de moda. Parece que já ninguém é professor, hoje em dia. Nem médico, nem advogado. O que está na moda é ter profissões que começam por "Responsável por..." ou então "Faço parte do Departamento..." ou até "Estou na área de...". E isto, é apenas o início. Regra geral estas profissões têm mais 4 ou 5 palavras para completar o ramalhete. Normalmente são profissões muito glamourosas e fashionistas. Ligadas ao marketing, publicidade ou comunicação. Mas desde quando é que ser responsável por alguma coisa é profissão de alguém? Não somos todos responsáveis por qualquer coisa? Eu sou responsável por 6 turmas e não é por isso que quando me perguntam a profissão eu digo "sou responsável por crianças".

É óbvio que quando alguém diz uma profissão dessas ("Responsável pelo Departamento de Marketing da empresa X", "Ligado à Comunicação da empresa Y"), qualquer pessoa com uma profissão dita tradicional fica sem capacidade de resposta para dizer "sou professora" ou "sou bombeira". Parece que somos reles quando comparadas com aquelas fantásticas responsáveis por tudo e mais alguma coisa.
Isto ainda se torna mais ridículo quando as profissões estão pejadas de palavras em Inglês (sim porque a língua portuguesa é pobrezinha "tadinha", temos de ir ao inglês buscar vocábulos para designar profissões tão complexas). É tão giro ser executive director. Ou account manager. Ou analyst de qualquer coisa. Ou senior. Ou junior. Ou Chief.

Para mim, esta questão roçou o anedótico quando, estava eu a ler a Vogue, e deparo-me com um nome de uma profissão que me intrigou de sobremaneira, senão vejam: "Fashion, Living & Lifestyle Executive Director do grupo Qualquer-coisa". Alguém me consegue elucidar sobre o que faz uma pessoa com tal nome de profissão? Gasta certamente mais 10 minutos ao telefone só para dizer o que faz: "Olá muito boa tarde, fala XPTO, a fashion, living.....................do grupo X". Quando acaba de dizer o que faz, já o interlocutor não se lembra de ter atendido o telefone, nem de quem é ou o que faz ali. Cartões de visita, não devem existir, pois acabariam com a tinta de qualquer tipografia.

Ainda mais giro vai ser quando morrerem, as Fashion, Living & Lifestyle Executive Director do grupo Lalala à porta do Céu:

S. Pedro: -E o que fizeste tu, durante a tua vida, minha filha?

Mulher-cuja-profissão-demora-muito-a-dizer: Eu fui Fashion, Living & Lifestyle Executive Director do grupo X! E sempre fui muito boazinha. Desempenhava as funções de Fashion, Living & Lifestyle Executive Director do grupo X com todo o meu empenho. E nunca andei enrolada com nenhum Chief Executive Officer de nenhuma empresa do Grupo. Nem com nenhum Chief Operating Officer. Chief Marketing Officers não contam pois não S. Pedro?

S. Pedro: (zzzzzzZZZZZZZZzzzzzzzzz)

Mulher-cuja-profissão-demora-muito-a-dizer: Não contam pois não? Ai não se atreva a contrariar-me. Nunca nenhum homem me contrariou em 20 anos de carreira como Fashion, Living & Lifestyle Executive Director do grupo X. Nem sequer o Chief Human Resources Officer. A propósito, este também não conta pois não? Diga-me uma coisa S. Pedro, querido, aqui no Céu também há carros de serviço? É que eu tinha um Serie 5, cortesia da empresa para as funções de Fashion, Living & Lifestyle Executive Director do grupo X. Espero também ter direito a combustível grátis, férias em hotéis e tudo o que uma Fashion, Living & Lifestyle Executive Director do grupo X tem direito.

E pronto. É desta que S. Pedro pede a demissão. Aposto que nem dá os 30 dias a que a entidade patronal tem direito, pois mais do que isso esteve ele a ouvir a Fashion, Living & Lifestyle Executive Director do grupo X.

Por isso, se tens uma profissão de apenas 1 palavra (e em português) junta-te a mim. Vamos lutar pelo regresso das profissões com apenas um nome (e na língua materna).

Ou, pelo contrário, mudamos os nomes de todas as profissões. Eu passaria a ser, por exemplo, "Docente e Responsável Pedagógica pelo Processo de Ensino-Aprendizagem de Adolescentes na Purberdade, Idade Particularmente Difícil, da Empresa Escola do Grupo Escolas de Portugal".




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